O
medo de sangue nem sempre morou em mim. Minha alma é velha e quando veio
para o mundo era pura deste sentimento que hoje me assola. Atualmente
esta fobia se estende aos médicos, seus trabalhos, seja quais forem
eles, e todo a assunto relacionado a doença e sua convalescença.
O medo foi só uma consequência. Causando pânico por qualquer emoção em conexão a médico e a possibilidade de ficar débil.
Eu
era apenas um garoto de uns 3 ou 4 anos como todos os outros, tendo
problemas iguais ao de todos os meninos da minha idade. Contratempos,
desses de meninos. Em uma época em que tudo era possível, só bastava
abrir as janelas da minha imaginação. É desde cedo que toda
sensibilidade é plantada.
Na realidade, parece que eu nem saberia dizer quando isso tudo começou.
Eu
tinha uma hérnia em mim. Precisava operar. Sempre perguntei que raio de
doença tinha esse nome. Esta palavra feia que até o dicionário fica
meio reticente em traduzir para uma linguagem que fácil entendamos.
A
tarde era intensa. Dessas de corridas de bicicleta em casa, com os
primos. Lembro tudo perfeitamente. Só fechar os olhos. Minha bicicleta
tinha rodinhas do lado da roda traseira como apoio para eu aprender a
andar sem cair. De tão rápido que eu estava naquela volta bati no vaso
de plantas de casa, pois as rodinhas não me deixaram fazer a curva.
Nunca pensei que o vaso poderia ser tão duro.
O
guidão entrou dentro em mim. A hérnia teve que ser operada as pressas,
assim como o rasgo feito. Depois da batida não lembro muita coisa.
Sangue, muito sangue. Desmaio. Hospital.
Tenho
certeza que os medos e as incertezas, a impureza, nossas loucuras de
todo dia, a coragem e a personalidade são construídas nessa fase da
infância, entre atos e desatinos. Tempo bom de fabricar as coisas sem
maiores receios dos riscos. Onde prevalece a tentativa mesmo que o
resultado seja sempre errado. Há graça em quase tudo.
Acordo
atordoado no hospital e todo grudado em curativos que demoraram a sair,
da minha vista e da minha cabeça. Minha alma foi machucada, cravada em
desespero. Da cintura para baixo eu nem conseguia olhar. Tinha dores
sempre que queria urinar e morria por dentro todas as vezes que tinha
retorno médico.
Vendo
o hoje nem dá para imaginar toda essa perturbação. Parte dela eu venci
vendo o parto de minha filha. A outra metade é bem viva, aparece de
tempos em tempos. Me faz ficar inerte. Vejo ela neste berço e de outro
lado todo esse amontoado de emoções . Tenho esse pavor excêntrico, que
embrulha o estômago, destes que poucos têm. Pessoas estranhas, receios
esquisitos.
Esta fobia se desenvolveu aos poucos e muitas vezes parece maior do que eu.
As
vezes é complicado voltar para trás, embora haja mais coisas boas do
que ruins para contabilizar. Melhor é sempre continuar em frente,
tentando fazer um hoje alternativo. Mesmo que seja por um instante,
feliz, sem qualquer tipo de dor. Na tentativa de eliminar o que te mata
da melhor forma possível.
Como voltar no tempo e poder viver tudo mais intensamente e de uma forma um pouco diferente?
Nenhum comentário:
Postar um comentário