segunda-feira, 29 de abril de 2013

Chico e Eu


Eu via Chico com ceticismo quando vivo.
Morto era como um amigo. Meus pais o encontravam semanalmente e eu também. Isso fazia com que eu mantivesse esse contato terreno e com isso, aquecia os corações dos que ficaram nessa realidade paralela.

No hospital, depois da internação para uma cirurgia no joelho, peguei uma infecção. A enfermeira errou a medicação da recuperação na UTI, morri depois de complicações as quais nem senti. Os remédios tiram a dor e o direito. Meu fígado parou de funcionar, os rins, os pulmões e o coração. Nem o Dr House me salvaria. O ritual era de passagem de um lado para outro e a morte em si, comecei a questionar toda essa realidade.

Vi minha tia e meus avós que morreram faz pouco tempo. Vieram me trazer as boas vindas. Parece até piada. Você está numa pior e é bem recepcionado. O que é bom e ruim trocam de lado e como tudo nessa vida, os valores também mudam.

Dizem que quando vamos dessa para uma melhor temos uma experiência que depende de nossa crença. Os muçulmanos teriam suas virgens nos céus, os cristãos aguardariam o dia do juízo, os budistas estariam mais perto do nirvana, os ateus extinguiriam seu “eu” para sempre.


Assim que bati as botas passei a entender que eu simplesmente continuaria a vida em outro lugar e independente de minha crença, nada mais importava. O mesmo ser, os mesmos medos e aflições, menos o peso da matéria, inerte e fétida. O meu contorno é do meu corpo que sempre tive, embora eu não o sentisse como quando vivo. Sim, é meio confuso, mas através de Chico aprendi muita coisa. Cada vez mais, a comunicação se intensificava.

Meu pai, já velho, sempre tomava para si a culpa de minha morte. Minha mãe, cheia de saudades, era choro e vela. Eu existia em Chico, da mesma maneira que sempre permaneci na vida dos meus genitores, a diferença é que agora eles ouviam o que eu tinha a dizer e acreditavam.

Muitas vezes a realidade nos cega. Esse dia a dia eloquente e sujo. E assim deixamos de lado o que realmente importa. Se é que importa. Abdiquei da minha dignidade tapando os buracos da existência com afazeres demais ou de menos. E desviei a conduta do que realmente é existencial e essencial.

Chico e eu entendiamos a realidade como queríamos. As palavras encaixariam sempre em algum contexto para fazer acreditar. O que é real? O que realmente existe? O que é ficção? Isso tudo faz parte de uma realidade que existe dentro de nós. Vivo todos os dias a intensidade que posso, com desejos que busco e nunca fico saciado.

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